9.8.12

Fim do mundo ou quase isso


   Estávamos no andar térreo do prédio, pegando as correspondências. Minha sogra tinha ficado para trás, conversando com a dona da padaria da esquina. Foi tudo muito rápido. Como um estouro de manada, as pessoas dos outros prédios começaram a invadir o nosso e subir as escadas. Arthur, um despachante do prédio vizinho, me puxou pelo braço, e eu puxei Rosa. Percebemos a água subindo, e quando começamos a galgar os degraus da escada, ela já ia pela metade de nossas canelas.
   No segundo andar, o Sr. Getúlio havia deixado seu apartamento aberto, para que pudéssemos pular a janela e alcançar o morro que tinha atrás do prédio. Era um morro limpo, sem arbustos e com grama rala, mas bastante íngreme para se chegar ao topo. Subimos o mais rápido que podíamos e nos jogamos no chão devido ao esforço. Rosa subiu ao meu lado, mas lá em cima, devido ao grande número de pessoas, demorei pra encontra-la e quase me desesperei. Ela estava perto, e corri até ela. Ficamos abraçados por algum tempo, um abraço apertado, íntimo, apavorado. Pude sentir seu coração pulando, quase mais que o meu. Olhei pra baixo. A água tinha parado de subir quando chegou ao início do primeiro andar. Parecia ter acontecido na cidade inteira. Algumas pessoas ajudavam outras a subir o morro, e alguns nadavam e salvavam os que tinham ficado para trás.
   Percebi que Rosa estava muito parada e não respondia o que eu perguntava. Quando olhei pra ela, seu rosto estava voltado para o céu. Olhei para o alto, e vi o que nunca deveria ter visto, o impossível e inimaginável acontecendo nos céus daquela tarde. Meu pavor aumentava conforme eu as contava.
   Uma, duas, três... dezoito, dezenove... No céu daquele dia, flutuavam trinta e sete luas, todas cheias e de inúmeras cores, desde avermelhadas até brancas. Eram enormes, magníficas, perturbadoras! Senti meu almoço revirar no estômago. Devo estar delirando... isso não tem cabimento, não faz sentido algum. Rosa aconchegou-se no meu peito, tremendo. Aquilo era surreal, inexplicável. Eram luas mesmo? Ou seriam naves extraterrestres. Eu preferiria mil vezes que fossem naves, pois assim haveria algum tipo de explicação para aquilo. Ficamos parados por longos minutos, e aos poucos nos acalmamos. Eu ainda me sentia atordoado com aquela visão. Ela disse-me que quando a trigésima oitava lua aparecesse, tudo acabaria. Ao nosso redor, pessoas aterrorizadas tinham as mais variadas reações. Eu vi homens e mulheres chorando, crianças ignorando a coisa toda, e algumas pessoas desmaiando. Rosa me disse: “Preciso descer, minha mãe pode estar precisando de ajuda. Veja, a água está voltando”. Parecia tranquila. Rosa era uma mulher forte, muito mais forte do que eu. Levantou-se e começou a descer o morro. Fiquei mais alguns segundos olhando para o alto, para aquela abóbada medonha e para aqueles astros que não deveriam estar ali. Minhas pernas tremiam e eu suava frio. Antes de descer, procurei por algum sinal do Cristo. “Não, ainda não. Talvez não esteja na hora.”.
   Descemos e nos separamos para procurar minha sogra. Aos poucos, as pessoas iam esquecendo as luas extras e preocupando-se com suas coisas. Tão rápido como veio, a água foi-se, vinda não se sabe de onde, como se fosse um membro de algum tipo de criatura. Rosa encontrou papel e caneta e deixou bilhetes em alguns lugares. Eu vaguei pelo bairro, pulando por cima do lixo e de alguns cães que não tinham conseguido salvar-se. Não vi nenhum humano morto. Muitos encharcados, mas nenhum falecido. Qual é Deus, a humanidade está tão suja que o senhor resolveu nos dar um banho? Cheguei até o posto de saúde e encontrei minha sogra na fila para o atendimento. Estava seca e parecia bem. Estava muito assustada, era óbvio, mas sorria. Liguei para Rosa e avisei que havia encontrado sua mãe. Só depois de desligar percebi o quão estranho era o fato de os celulares ainda funcionarem.
   Deixei minha sogra sossegada e fui para fora. Parecia ter sido um sonho, e tudo não passaria de mais uma enchente provocada por bueiros entupidos se não fossem por aqueles pedaços de terra circulares e flutuantes pairando no céu, me observando como olhos de um monstro faminto, tentando devorar minha sanidade. Apesar de tudo, tinha uma aura estranha pairando sobre as pessoas, como se a trigésima opitava nunca fosse aparecer, como se tudo fosse só mais um aviso. Uma segunda chance, mais uma vez. Mostrei meu dedo do meio para cada uma daquelas luas, para demonstrar todo o meu desprezo por elas, toda a minha fúria, toda a minha pequenez. Percebi o que não deveria ter percebido e não aguentei: tive um colapso nervoso ao ver que as crateras lunares de cada uma delas tinham o formato de grandes e malditos sorrisos.

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