“No jardim dos universos suspensos, você irá
encontra-lo, e quando ele se tornar em você, o poder fluirá, e sua vida
terminará ao próximo suspirar.”
Por
8 anos Leurakin viajou pelos mundos. Sem referências, sem destinos, sem mapas,
sem direções. Toda e qualquer coisa que ele tinha eram as palavras ditas pelo
velho Sábio de seu reino, Ragandul. Nada do que ele dizia poderia ser falso.
Antes
de partir, Leurakin participou da guerra por anos seguidos. Soldado mediano, lutava
nas fileiras de infantaria. Dilacerar era sua função, e também sua
especialidade.
Branbur
já havia dominado todos os aliados de Ragandul. O reino resistia, mas não seria
assim por muito tempo. Se a situação durasse muito, Branbur conseguria fechar o
cerco, e aí então o reino encontraria seu fim, tornando-se uma terra de mortos
e escravos.
Foi
quando o Sábio teve uma visão e o procurou, e assim Leurakin teve de partir, há
muitos anos atrás.
“Jardim
dos universos suspensos”. Leurakin viajou por mares, desertos, florestas,
países e mundos perseguindo este objetivo. Sua busca o levou a lugares até
então desconhecidos por todos. Nem mesmo o Sábio deveria conhecer os vértices
de poder que o transportaram pelos confins do universo. Lutou contra os mais
variados tipos de seres, e sobreviveu a todos. Com o tempo sua espada foi
perdendo o fio, e suas flechas não duraram nem até o primeiro portal planar.
O
tempo passou, e os anos foram 8. Cansado, solitário, parcialmente enlouquecido,
o viajante retornou a seu mundo, mas desta vez por um portal diferente do que o
que tinha o levado para o cosmos. Conhecia aquelas terras. Era uma região de
campinas, ao sul das fronteiras de Ragandul. Se a guerra não tivesse acabado,
Leurakin deveria estar agora em território brandurdiano. Não sabia se estar tão
perto de casa era algo bom ou ruim.
Caminhou
até a orla da floresta e a penetrou. Após alguns minutos de caminhada, percebeu
que as árvores eram todas jabuticabeiras. Colheu alguns frutos e os engoliu.
Foi
então que Leurakin encontrou o que procurava.
“O
Jardim dos universos suspensos”. Como pequenos cosmos, as jabuticabas se
espalhavam pelos troncos das árvores. Formavam uma floresta circular, e em seu
centro, abria-se uma clareira. Leurakin teve um acesso de riso. Era tão óbvio,
e esteve tão perto!
De
repente lembrou-se da missão, e as sombras alcançaram seu coração novamente. No
meio da clareira estava o grande objetivo de toda a viagem. O Ser.
Para
todos os efeitos, era um equino. O focinho era mais curto que o de um cavalo, e
em sua cabeça repousava uma galhada imponente. Afiada como a dos cervos, mas de
coloração azul, contrastava com a pelagem branca do Ser. Sua crina descia até o
chão, e pelos compridos encobriam patas poderosas, felinas, que só se
apresentavam quando o Ser se movimentava. Era a encarnação da graça. Seu olhar
era terno, sincero, transmitia a mais pura calma. Leurakin não suportou olhar o
Ser nos olhos.
Caminhando
e pastando calmamente, O Ser agia como se Leurakin não estivesse ali. Ao seu
redor, as folhas das árvores emitiam uma luz radiante. Pareciam movimentar-se
sozinhas. A cada passo do Ser, mais e mais jabuticabas nasciam nas árvores mais
próximas. A grama em volta de suas patas brilhava como se fosse ouro verde.
Leurakin
não suportou. Ajoelhou-se no chão e chorou desesperadamente. Engasgou-se com a
própria saliva, e o nervosismo foi tanto que chegou a vomitar. O Ser caminhou
em sua direção, e o guerreiro foi ficando melhor, a paz crescendo dentro dele,
e ele podia sentir a vida fluindo do animal. Animal ou deidade?
Ele
ergueu o rosto, e o animal o fitou nos olhos, lambendo sua face uma dúzia de
vezes. Leurakin chegou a sorrir, mas lembrou-se novamente do que deveria fazer,
e novas lagrimas rolaram por seu rosto. Não podia. Não cumpriria a missão. Seu
povo poderia já estar morto, escravizado. Ou quem sabe, Ragandul tivesse
vencido a guerra.
O
Ser fechou os olhos e esperou. Leurakin, respirou, levantou-se e aceitou o seu
destino. Não havia saída. O Sábio sabia o que estava dizendo. Puxou sua espada,
e com toda a força de sua alma, cravou-a na cabeça do Ser. Leurakin admirou-se
com o grito da criatura, repentino. Esperava que ela morresse em silencio,
devido à paz que fluía do animal. Mas o grito foi tão alto, tão agudo, que o
guerreiro teve que tampar os ouvidos. A agonia e a tristeza tomaram forma, e o silvo
durou muitos minutos, mais do que deveria.
Com
as pernas endurecidas, ainda tremendo, o Ser desabou no chão. Após sua queda,
uma onda de morte se alastrou no entorno de onde estavam. A grama apodreceu na
hora, as árvores secaram e as frutas vieram ao chão. Em questão de segundos, o
cheiro de podridão começou a emanar no local.
Porém,
o corpo do ser permaneceu incólume. Leurakin também não fora afetado. Estava em
estado de choque, mas seu corpo permanecia intacto. Da fenda aberta na cabeça
do Ser, um sangue negro-azulado escorria rapidamente. Como se fosse puro
demais, ou maldito demais, não penetrava na terra. A poça continuou aumentando
e aumentando, cercando Leurakin por todos os lados.
Como
se despertasse de um transe, ele ajoelhou-se e, com sua espada, abriu o abdômen
do Ser. Um cheiro de flores silvestres veio de dentro do animal-deus. Leurakin
removeu seu coração e o devorou. Do tamanho de uma rã, o órgão tinha um gosto
peculiar. Leurakin pensou que fosse de jabuticabas. Quando terminou, olhou para
o cadáver e percebeu que ele começava a desaparecer. Os pelos caíram e foram
levados pelo vento, e o resto do corpo foi tornando-se pó, e também o sangue
começou a adentrar no solo. No mesmo momento, flores brotaram do chão, por onde
o sangue do Ser havia escorrido.
Leurakin
levantou-se e sentiu o poder dentro de si. Não sabia explicar o que era, e nem
sabia como controlar essa nova força, mas ela era perceptível. Vivera muitas
coisas ruins até chegar a esse momento, e matar o animal-deus foi a pior delas.
Era hora de voltar para Ragandul. Quando deu o primeiro passo, as flores que
haviam nascido do sangue sagrado do ser murcharam e tornaram-se negras. O
guerreiro percebeu o fato e continuou andando, e enquanto andava, a vida a seu
redor definhava. Animais morriam, o vento parava, pedras tornavam-se farelo.
“E
quando ele se tornar em você, o poder fluirá, e sua vida terminará no próximo
suspiro”.
Leurakin
pensou em seu destino. Estava amaldiçoado. Não poderia se aproximar de seu
reino, nem de sua esposa, nem das pessoas que amava.
Mas
agora ele tinha o poder necessário para derrotar o inimigo.
Ao
preço de sua alma, Leurakin adquiriu, finalmente, o poder para terminar a
guerra.
Depois
de tanto tempo, Ragandul encontraria a paz. Se seria a paz da vitória ou a paz das
trevas da morte, Leurakin ainda não sabia.
Um sacrifício...?
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