- Ah!
Então era só um garoto - diziam algumas pessoas.
- Filho
de turistas, deve ser, deve ser. Nenhum solarista abandonaria uma criança.
- Não
mesmo! Nunca! - diziam outras pessoas
Quando criança, o menino trouxe muitos problemas para os seus pais devido à
seus espirros. Sendo surdos, demoraram para associar os tremores e os copos
quebrados aos espirros do garoto. Afinal, era algo muito estranho. Tiveram que
ir morar mais afastados da cidade, e não podiam ter nada de vidro em casa,
porque os trovões do menino quebravam tudo que fosse frágil. Mesmo assim, eram
uma família feliz, e ninguém diria que o menino era adotado, pois era
muito parecido com seus pais de criação. A unica diferença eram os cabelos: os
do menino eram negros e lisos, e os de seus pais eram castanhos, e não eram tão
lisos assim. Mas as feições eram quase iguais.
Cresceu afastado de outras crianças, e apesar de tudo, não se tornou uma
criança amargurada. Aprendeu a gostar de estar sozinho e a divertir-se com sua
solidão e sua "estranheza". Era alegre, determinado e inventivo,
passando as tardes inteiras no mato achando coisas pra fazer. Mas, no fundo no
fundo, ele gostaria de saber como seria ter amigos, e as vezes acabava ficando
cabisbaixo. Talvez gostasse de estar só por que não sabia como era ter
companhia.
Durante a noite, ele sonhava com insetos e ratos caminhando sobre seu corpo,
sentia mordidas e picadas, e gotas de chuva embaçavam sua visão. Ao acordar,
via que tudo tinha sido apenas mais um pesadelo, mas as sensações ainda duravam
uma boa parte da manhã. Ele iria carregar esse trauma por muito tempo, mesmo
sem saber que foi encontrado no lixo.
Seus pais o ensinaram a escrever e a ler, e um vizinho o
ensinou a falar. Quando finalmente aprendeu a trancar os espirros o menino pôde
frequentar a escola. Se tornou um aluno quieto, apesar de alegre. Observador
seria uma boa palavra para descrevê-lo. Sua saúde era frágil, o que o fazia
evitar os esportes. As crianças passaram a chamá-lo apenas de
"Menino", pois os adultos da cidade sempre diziam 'Sabe aquele menino
do beco?' ou 'Ontem vi o menino do beco. É, aquele que foi abandonado'. Com o
tempo, 'menino' se tornou um apelido, e na escola até os professores passaram a
chamá-lo apenas de Menino. Sua estranheza chamava a atenção, pois toda vez que
ele trancava algum espirro saia fumaça das suas orelhas. As meninas achavam
engraçado, e os garotos, ciumentos, não gostavam nem um pouco. Apesar de tudo,
os moradores de Rio Solar nunca o trataram mal por ser diferente. Menino não
sabia ainda, mas tivera uma sorte gigantesca ao nascer em uma cidade como
aquela.
Certo dia, Alguns garotos se trancaram com Menino na sala e começaram a
xinga-lo de estranho e a bater nele, falando que ele era uma aberração, que não
era humano, que não deveria estar vivo. Viraram o balde de lixo em sua cabeça e
começaram a bater nele. Menino aguentou os sopapos, bastante triste, mas
continuou tranquilo, pois sabia que brigar era feio. Até que um deles
pegou uma pena de escrever e começou a cutucar seu nariz. Ele espirrou e
estourou os tímpanos de todos os outros garotos, além de quebrar os vidros da
sala de aula. Sangue escorreu de suas orelhas, e eles entraram em pânico.
A princípio, Menino sentiu-se culpado, mas não muito, afinal, foram os
garotos que provocaram o acidente.
Menino começou a ficar cada vez mais triste, pois viu as chances que tinha de
fazer alguma amizade irem por água abaixo. Até pensou em desistir do colégio.
Mas havia outro rapazinho da escola que
apanhava dos garotos. As pessoas se referiam a ele como "o amigo
dos passarinhos". Conseguia conversar com qualquer animal, mas ganhou esse apelido porque os únicos animais que
entravam na escola de altos muros eram os passarinhos. Era chamado de maluco
pelos garotos normais, e pelo mesmo processo de apelidação que Menino passou,
Amigo também ficou conhecido por seu apelido. Tinha os cabelos cacheados e
cheios, e vez ou outra uma andorinha ou pardal se escondia na cabeça do rapaz
para se aquecer. Amigo percebeu que Menino ficava sempre sozinho no recreio, e
um dia foi dividir seus bolinhos de alface com ele. Começaram a conversar e
compartilharam as experiências que tiveram com suas habilidades. Resolveram
unir-se pra se defender dos garotos, e em pouco tempo se tornaram grandes
amigos. Ele era diferente de Menino: devolvia socos e pontapés, tentando a todo
custo dar o troco, mas no fim, sempre tinha que sair correndo.
E
a partir daquele dia, estava criado o Clube dos Estranhos, Bosque do Bairro,
Ipê Roxo, sem número. A inauguração aconteceu com muitas bolachas e suco, e o
pai de Menino participou.
Oficialmente, Menino e Amigo eram os únicos integrantes.
Por enquanto.
Substancialmente melhor, e que bom que o final ficou aberto, assim vc pode incluir o Primo, o sujeito adolescente que parece muito com uma celebridade dos quadrinhos...
ResponderExcluirBom, muito bom. Me deu até vontade de comer bolinhos de alface.
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