12.12.11

01 - O Menino que Espirrava Trovões!

   Era uma vez um menino que espirrava trovões. Não raios ou relâmpagos. Apenas o CABRUM!
Assim que nasceu, seus pais biológicos o abandonaram em uma lixeira de beco,  no centro da cidade, e ele ficou lá por quase três dias, passando frio e fome, bebendo apenas a água da chuva que caia em seu rosto. Ninguém se aproximava do beco por achar que lá havia um monstro rugidor. Até que um apaixonado casal de surdos passou por ali, sabe-se lá Deus porque, e viu o bebê já quase sem forças. Eles nunca disseram pra ninguém o que foram fazer no beco, mas o importante é que acharam a criança abandonada e levaram-no para um hospital e depois, para casa. O caso logo ficou famoso na pequena cidadezinha de Rio Solar.

- Ah! Então era só um garoto - diziam algumas pessoas.
- Filho de turistas, deve ser, deve ser. Nenhum solarista abandonaria uma criança.
- Não mesmo! Nunca! - diziam outras pessoas
  Quando criança, o menino trouxe muitos problemas para os seus pais devido à seus espirros. Sendo surdos, demoraram para associar os tremores e os copos quebrados aos espirros do garoto. Afinal, era algo muito estranho. Tiveram que ir morar mais afastados da cidade, e não podiam ter nada de vidro em casa, porque os trovões do menino quebravam tudo que fosse frágil. Mesmo assim, eram uma família feliz, e ninguém diria que o menino era adotado, pois era muito parecido com seus pais de criação. A unica diferença eram os cabelos: os do menino eram negros e lisos, e os de seus pais eram castanhos, e não eram tão lisos assim. Mas as feições eram quase iguais.

  Cresceu afastado de outras crianças, e apesar de tudo, não se tornou uma criança amargurada. Aprendeu a gostar de estar sozinho e a divertir-se com sua solidão e sua "estranheza". Era alegre, determinado e inventivo, passando as tardes inteiras no mato achando coisas pra fazer. Mas, no fundo no fundo, ele gostaria de saber como seria ter amigos, e as vezes acabava ficando cabisbaixo. Talvez gostasse de estar só por que não sabia como era ter companhia.
  Durante a noite, ele sonhava com insetos e ratos caminhando sobre seu corpo, sentia mordidas e picadas, e gotas de chuva embaçavam sua visão. Ao acordar, via que tudo tinha sido apenas mais um pesadelo, mas as sensações ainda duravam uma boa parte da manhã. Ele iria carregar esse trauma por muito tempo, mesmo sem saber que foi encontrado no lixo.
Seus pais o ensinaram a escrever e a ler, e um vizinho o ensinou a falar. Quando finalmente aprendeu a trancar os espirros o menino pôde frequentar a escola. Se tornou um aluno quieto, apesar de alegre. Observador seria uma boa palavra para descrevê-lo. Sua saúde era frágil, o que o fazia evitar os esportes. As crianças passaram a chamá-lo apenas de "Menino", pois os adultos da cidade sempre diziam 'Sabe aquele menino do beco?' ou 'Ontem vi o menino do beco. É, aquele que foi abandonado'. Com o tempo, 'menino' se tornou um apelido, e na escola até os professores passaram a chamá-lo apenas de Menino. Sua estranheza chamava a atenção, pois toda vez que ele trancava algum espirro saia fumaça das suas orelhas. As meninas achavam engraçado, e os garotos, ciumentos, não gostavam nem um pouco. Apesar de tudo, os moradores de Rio Solar nunca o trataram mal por ser diferente. Menino não sabia ainda, mas tivera uma sorte gigantesca ao nascer em uma cidade como aquela.

  Porém, algumas crianças normais não gostavam de Menino, e sempre davam um jeito de maltratá-lo.    Crianças tem um dom especial para a maldade porque ainda não tem suas bases morais bem fundadas e por isso, não ficam com a consciência pesada após uma crueldadezinha.
  Certo dia, Alguns garotos se trancaram com Menino na sala e começaram a xinga-lo de estranho e a bater nele, falando que ele era uma aberração, que não era humano, que não deveria estar vivo. Viraram o balde de lixo em sua cabeça e começaram a bater nele. Menino aguentou os sopapos, bastante triste, mas continuou tranquilo, pois sabia que brigar era feio. Até que um deles pegou uma pena de escrever e começou a cutucar seu nariz. Ele espirrou e estourou os tímpanos de todos os outros garotos, além de quebrar os vidros da sala de aula. Sangue escorreu de suas orelhas, e eles entraram em pânico. A princípio, Menino sentiu-se culpado, mas não muito, afinal, foram os garotos que provocaram o acidente.
  Os garotos da escola deram sorte de existir nas redondezas uma curandeira devota do homem Cristo forte o suficiente para sarar seus machucados. Nenhum deles ficou surdo. Depois do ocorrido, nunca mais incomodaram o menino. Por outro lado, passaram a ignorá-lo, o que também não era muito legal.

  Menino começou a ficar cada vez mais triste, pois viu as chances que tinha de fazer alguma amizade irem por água abaixo. Até pensou em desistir do colégio. Mas havia outro rapazinho da escola que apanhava dos garotos. As pessoas se referiam a ele como "o amigo dos passarinhos". Conseguia conversar com qualquer animal, mas ganhou esse apelido porque os únicos animais que entravam na escola de altos muros eram os passarinhos. Era chamado de maluco pelos garotos normais, e pelo mesmo processo de apelidação que Menino passou, Amigo também ficou conhecido por seu apelido. Tinha os cabelos cacheados e cheios, e vez ou outra uma andorinha ou pardal se escondia na cabeça do rapaz para se aquecer. Amigo percebeu que Menino ficava sempre sozinho no recreio, e um dia foi dividir seus bolinhos de alface com ele. Começaram a conversar e compartilharam as experiências que tiveram com suas habilidades. Resolveram unir-se pra se defender dos garotos, e em pouco tempo se tornaram grandes amigos. Ele era diferente de Menino: devolvia socos e pontapés, tentando a todo custo dar o troco, mas no fim, sempre tinha que sair correndo.
  Menino pediu ajuda para seu pai para construírem uma casa na árvore, onde ele e Amigo poderiam se esconder. O pai de Menino disse que não deveriam construir um esconderijo, e sim um forte. Pegaram umas madeiras velhas, compraram pregos e parafusos e construíram uma casa-de-árvore bastante grande, com saída de emergência e escada de cordas. Fizeram um sistema em que uma determinada pedra acionava uma roldana, para recolher ou liberar a escada. Tinha duas janelas e uma porta estilo 'saloon'.
  E a partir daquele dia, estava criado o Clube dos Estranhos, Bosque do Bairro, Ipê Roxo, sem número. A inauguração aconteceu com muitas bolachas e suco, e o pai de Menino participou.
  Oficialmente, Menino e Amigo eram os únicos integrantes.

  Por enquanto.

2 comentários:

  1. Substancialmente melhor, e que bom que o final ficou aberto, assim vc pode incluir o Primo, o sujeito adolescente que parece muito com uma celebridade dos quadrinhos...

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  2. Bom, muito bom. Me deu até vontade de comer bolinhos de alface.

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