3.1.12

03 - O Menino que Espirrava Trovões! - : A utilidade de Arco

  - Não adianta Menino, ela não vai nos ajudar em nada! – sussurrava Amigo, enquanto Arco subia as escadas de cordas do clube. – A gente tem enfrentado os garotos quase todos os dias no colégio, e agora boa parte dessas brigas tem sido pra proteger ela! Assim não vai dar. Parece que ela só quis entrar pro clube pra se mostrar, pra se sentir diferente das outras meninas!
- Deixa de ser burro! Ela é diferente das outras meninas!
Amigo teria continuado a discutir a utilidade de Arco, mas ela subiu a comprida escada mais rápido do que das outras vezes.
- Oi gente!
- E aí Arco. Descobriu alguma coisa?
  Menino realmente gostava da garota, mas Amigo sempre ficava emburrado quando ela estava por perto.
  Arco, que não era nem um pouco ingênua, respondia o mau humor de Amigo com sarcasmo.
- Você está bem Amigo? Parece meio estranho, seu rosto está vermelho. Se estiver com frio, posso fechar a janela...
  Amigo quase explodiu
- Do que você tá...
- E então Arco – interrompeu Menino antes que a coisa ficasse feia– O que descobriu?
- Descobri que Repetente também tem estranheza – Arco simplesmente ignorou Amigo – Eu já desconfiava disso. Acho que descobri o que ele tem: ele tem olfato apurado. Percebi no dia em que passei um perfume bem forte e me aproximei dele, indo em direção ao banheiro. Ele tentou mudar de caminho, mas tinha muita gente no corredor, e ele foi obrigado a passar do meu lado. Logo que passei por ele, o garoto tonteou e se escorou na parede com a mão na testa. Ouvi ele dizer pra zeladora que estava com dor de cabeça. Eu já desconfiava disso por outros motivos, e continuei observando ele durante a semana. Quando a merenda estava muito temperada, que nem o macarrão de quarta-feira, ele não comeu, e se distanciou do refeitório. Aconteceu outras vezes, e acho que agora confirmei minhas suspeitas. - disse a garota, vitoriosa.
- Mas se ele é um estranho, porque odeia tanto a gente? E como vamos ter certeza que a estranheza dele é essa? Pode ser outra coisa... – disse Amigo, tentando esconder seu interesse no assunto, pra não dar o braço a torcer.
- Talvez ele não odeie. Talvez tenha inveja, ou algo assim. - disse Menino.
- Inveja do que?
- Da nossa amizade cara. Do nosso companheirismo, do nosso clube. Os caras que andam com ele só estão do lado dele por que tem medo, ou talvez por conveniência, não são amigos dele. Nós dois sabemos bem como é ruim não ter amigos de verdade, e agora que nos conhecemos, ele deve sentir inveja.
- Mas isso não explica por que ele esconde sua estranheza.
- Ora, isso é obvio, não é? - disse Arco - Ele virou líder dos garotos porque sempre bateu em vocês dois, e eles o veneram por isso. Se os garotos soubessem que ele é estranho, o expulsariam do grupo. E acho que ele não é o único estranho entre os garotos. Aquele membro mais novo, o Unha, estuda comigo, e é diferente dos outros. Acho que se juntou aos garotos por não querer apanhar como vocês. Venho estudando os movimentos dos dois já faz um tempo, e tenho quase certeza de que também são estranhos. Eles são diferentes dos outros. E também suspeito que eles saibam onde nos escondemos, mas disso nao tenho certeza.
  Os dois ficaram assustados. O clube era seu único refúgio, e se os garotos descobrissem onde fica poderiam destruí-lo. Depois de uma tarde de muita conversa, resolveram ir pra casa. Menino ficou preocupado com o clube.
  No outro dia, a suspeita de Arco se confirmou: Quando os estranhos botaram o pé no bosque, os garotos valentões saltaram das moitas com bambus e estilingues. Repetente se adiantou.
- Ora, ora, ora. Encontrei os bizarros indo para o seu esconderijo. Que coincidência não? Vocês podem escolher: Se ficarem parados, vamos espancar vocês e quando cansarmos vamos embora. Prometo que não vamos aleijar ninguém. Se correrem, nós vamos descobrir onde vocês se escondem, e vocês não vão mais ter sossego. E é claro, vão apanhar de qualquer forma. E aí?
  Lentamente, Arco tirou o pé do chinelo e tocou o chão, e em uma árvore à frente de Menino e Amigo apareceu escrito em amarelo “vamos correr até o riacho, tenho um plano. Fechem os olhos”. Sem nenhum movimento perceptível, Arco fez com que o ambiente à sua volta ficasse totalmente branco, desde as árvores até as folhas que caíam, causando assim uma cegueira momentânea nos garotos à frente.Apenas o garoto mais novo no bando, Unha, conseguiu tampar os olhos à tempo, mas nada fez para atacar os Estranhos. 
- Vamos!
  Começaram a correr para a esquerda do bosque, até onde sabiam haver um riacho e uma pontezinha. Passada a cegueira, os garotos começaram a perseguir os Estranhos, mas não estavam fazendo muito esforço para alcança-los.. De vez em quando, uma pedra acertava um deles nas costas ou nas pernas, atirada pelos estilingues.
- Temos que abrir distância deles e nos jogarmos no riacho! – disse Arco
- Eu não sei nadar! – disse Amigo, com uma voz esganiçada e olhar apavorado.
- Faça o que eu disse e confie em mim!
  Menino pegou uma folha de arbusto e cutucou o próprio nariz, espirrando um trovão na direção dos garotos, que tiveram que se jogar no chão e tapar os ouvidos. Eles se levantaram e colocaram tampões de ouvido, meio de lado, para ouvir uns aos outros.
- Perdemos eles de vista! – disse um dos garotos.
- Continuem – disse Repetente, sorrindo, pois sentia o cheiro dos três e sabia por onde iam – Quando eu avisar, virem à direita, e quando avistarmos eles outra vez, ponham os tampões.
  Essa pausa deu tempo para os estranhos chegarem antes ao riacho e mergulharem.
- Eu vou pela ponte! – gritou Amigo.
  Arco fingiu não ouvir. Empurrou Amigo no riacho, mergulhou e agarrou-o pelo pescoço, nadando com ele até a outra margem, enquanto ele se debatia. Menino, apesar do medo, riu da cara de espanto de Amigo e mergulhou em seguida. Arco levou Amigo para a margem e depois correu até a base da pontezinha. Amigo tossiu um pouco e depois se virou para olhar o que Arco ia fazer.
- Para de me olhar com essa cara de tonto e chama ajuda dos bichos!  – disse a garota, decidida.
  Arco fechou os olhos e tocou a água, que após alguns instantes, adquiriu a cor da grama. Depois, tocou a ponte e retirou toda sua cor, deixando-a transparente. Amigo ficou boquiaberto, mas logo lembrou-se do que ela pediu e começou a murmurar em uma voz estranha, chamando os animais do bosque.
- Menino, espirre mais vezes para que eles não ouçam a água.
  Menino começou a provocar espirros em si mesmo, depois de se certificar que seus amigos tinham se protegido. Repetente, furioso por não detectar mais o cheiro dos três, ouviu os trovões e mandou os garotos colocarem os tampões e correrem para lá. Quando os viu, avançou para eles com um misto de fúria e desconfiança. Ele estava deixando eles escolherem o tipo da surra, mas quase o fizeram de bobo, e isso ele não toleraria. Porém Repetente não teve tempo de perceber a armadilha: ele e os garotos caíram como sacos de batata no riacho, e se apavoraram, achando que era um pântano ou areia movediça. Aqueles que chegavam até a margem eram jogados de volta para o riacho pelas garças e macacos que Amigo tinha chamado. Mais uma vez, apenas Unha conseguiu perceber a armadilha à tempo e não caiu na água. Na margem, ajudou os garotos a voltar à terra firme e acertou alguns pássaros com seu estilingue. Os Estranhos fugiram mata adentro e se esconderam no clube. Esbaforidos, os três se sentaram no chão e se sentiram aliviados.
  Amigo ficou por um bom tempo olhando para Arco, admirado. Menino estava ainda mais boquiaberto.
- Arco, você foi ótima!
- Ora, obrigada... - disse a garota, corando. Sua roupa ficou azul da cabeça aos pés. Tirou a cor do clube assim como fez com a ponte, deixando-o invisível, pois os garotos poderiam querer continuar a caça-los.   Apesar de que tudo indicava que a briga já estava terminada.
  Amigo ficou quieto por alguns instantes, e depois expôs seus pensamentos:
- Arco, apesar de não gostar de admitir, acho que voce estava certa quanto às estranhezas de Repetente e Unha. Repetente nos rastreou de alguma forma. Nao foi pela visao, pois a mata é bem fechada e os animais me avisariam, e também não foi pela audição, pois senão ele nao se arriscaria a ficar perto de Menino, e faria como Unha. Aliás, acho que esse Unha vai nos dar problema.
- Pois eu acho que não, acho que logo logo, ele vai perceber que está andando com a turma errada.
  E assim, depois de uma tarde bastante tensa, mas no fim, divertida, os Estranhos encerraram o dia,
sem saber que Repetente já sabia onde ficava o clube, e que apenas deixou eles pensarem que venceram.

2 comentários:

  1. Cada vez melhor cara, parabéns! Fiquei até curioso para ler a continuação, sério.

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  2. Posso ser franco, pois se o Seiz ficar puto dou uma garrafada nele que ele se indireita, no inicio achei a histório bem entediante mais parece que as coisas estão mudando vejamos o que acontece a seguir...

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