1.5.12

06 - O Menino que Espirrava Trovões! - O Estranho D'afolha

  As coisas corriam tranquilas desde o acontecimento que levou Unha a entrar para o Clube dos Estranhos.   Ao contrário do que gostaria, Unha não conseguiu ganhar outro apelido no clube, e cansado de pedir que não o chamassem daquela forma, desistiu de se importar. O apelido era só um apelido. Ele havia mudado, e era isso que importava.
  Repetente foi transferido para outro colégio. Sua mãe não tomou nenhuma medida contra os Estranhos, pois há muito tempo sabia das maldades que seu filho vinha cometendo e já havia desistido de tentar corrigi-lo. De certa forma, achou que a surra que seu filho levou serviu-lhe de lição. Estava confusa, pois estava sentindo-se grata àqueles que agrediram seu próprio filho. Esse era um sentimento no minimo contraditório.
  Unha foi totalmente integrado pelos outros membros do grupo. Amigo mostrou-se muito mais sociável com ele do que tinha sido com Arco, e a garota, não deixando de perceber tal fato, ficou enciumada. Menino achava que a amizade entre eles se deu por causa de suas estranhezas, afinal Amigo considerava Unha como um de seus companheiros animais. No começo, Unha não gostou muito de ser comparado à pássaros e rãs, mas com o tempo também se sentiu bastante camarada de Amigo. Menino sentia-se feliz, pois há pouco menos de 4 meses era um garoto solitário, e agora, fazendo as contas, tinha 3 grandes amigos, cerca de uns 18 admiradores, 1 clube, 1 arquirrival (derrotado), uma gangue inimiga (dispersa e derrotada), 1 helicóptero de brinquedo e 3 provas para fazer, sem contar os vários animais que eram amigos de Amigo e mais 1 casal de pais. Estava satisfeito. Feliz. Achava que as provas não precisavam estar na lista, mas, como sua mãe lhe dizia, nada é perfeito.
  Os Estranhos estavam fazendo aulas de Briga com Unha, notadamente o mais forte fisicamente dentre os quatro. Arco era mais frágil, porém, muito mais veloz que Amigo. No entanto Amigo coordenava seus movimentos com alguns animais que estivessem por perto, tornando-se assim um adversário de respeito. Menino era o mais versátil dentre os quatro, e mesmo sem os animais de Amigo, a velocidade de Arco e os instintos de Unha, logo se tornou o aluno mais eficiente do menino-lobo. Seus golpes tinham precisão e força, e ele evitava movimentos exagerados ou desnecessários. Apesar de tudo, os Estranhos achavam que nunca mais iriam precisar brigar com ninguém. Mas treinar com Unha era extremamente divertido, eles adoravam. Na realidade, tudo era uma grande brincadeira.
  Incentivado pelas brincadeiras-treino, Menino resolveu começar um aperfeiçoamento próprio: queria conseguir soltar trovões sem precisar espirrar. Dirigiu-se até a nascente do riacho do bosque para ficar mais afastado. Treinou sozinho por meia hora e ficou entediado. Começou a passear pelo bosque, e depois de algumas horas andando à esmo, viu alguém que chamou sua atenção.
  Era um garotinho mais novo, talvez dois anos a menos que Menino e sua turma. Parecia bem alegre, com roupas bem cuidadas e corpo esteticamente saudável. Estava juntando folhas de árvore caídas e colocando dentro de uma bolsa de pano. Menino tentou perceber se ele escolhia pela cor ou pelo tamanho, mas o garoto não parecia seguir nenhum padrão. Menino resolveu sair da moita que tinha ficado escondido e dar oi para o garoto. Mas quando o garotinho viu Menino, se assustou e saiu correndo, jogando as folhas para cima. Ao invés de cair no chão, as folhas seguiram o rapaz, flutuando pelo ar. Menino ficou espantado e também contente. Se aquilo fosse obra de alguma estranheza, talvez tivesse encontrado um membro caçula para seu clube.
  Menino contou o que tinha visto para seus amigos. Unha e Amigo conheciam o garoto. Unha disse que quando andava com Repetente tentaram sacanear o moleque, mas ele parecia não se importar com nada do que fizessem com ele e apenas sorria. Repetente o chamou de retardado e parou de implicar, pois não tinha graça. Amigo disse que os coleguinhas de classe chamavam ele de D’afolha, por que ele adorava ficar catando folhas e gravetos pelo pátio do colégio. Sem saber porque, Menino decidiu que se tornaria amigo de D’afolha, e pensou em um jeito de se aproximar do moleque.
  Na hora do recreio, procurou D’afolha pelo colégio e o encontrou facilmente. Ele estava chutando uma arvore. Menino se aproximou e começou a chutar a arvore também. D’afolha olhou para Menino, e sem responder, apenas sorriu e continuou fazendo o que estava fazendo.
- Por que estamos chutando a árvore? – perguntou Menino, curioso.
- Pra ver se caem mais folhas. – respondeu o garoto. Menino presumiu que ele deveria ter uns 10 ou 11 anos, pois sua voz ainda não começara a engrossar.
- Pra que você precisa de tantas folhas?
- Por que elas são minhas amigas. Quanto mais, melhor e elas fazem o que eu quero. Ah, não! Tem os galhos e os mosquitos e as baratas que a mamãe mata também, e as cascas de banana e de limão e de laranja e de maçã! Puxa, quase me esqueço delas! – disse D’afolha, como se esquecê-las fosse o crime mais grave do mundo, colocando as mãos na cabeça. Menino começou a rir.
- Quer dizer que só é seu amigo quem faz as coisas que você quer?
  O garoto parou de chutar as folhas e olhou para Menino, com cara de parede.
- Não foi isso que eu quis dizer.
- Você é estranho. Gostei de você. Quer entrar para o meu clube?
- Sério?! Mas, que clube? Ah, nem adianta, acho que minha mãe não vai deixar... Ela diz que eu sou especial e que não devo me misturar com pessoas que não conheço e que são inferiores à mim...
  D'afolha estava visivelmente triste. Queria entra para o Clube, mesmo não sabendo o que isso significava de verdade. Menino ficou um pouco irritado com a forma que o garot falou, mas resolveu ignorar esse sentimento e continuar a conversa como se não tivesse ouvido nada.
- Pode me chamar de Menino. Pronto, agora já nos conhecemos. O recreio já está acabando, mas depois que a aula acabar vou chamar meus outros amigos e vamos falar com a sua mãe.
  Os Estranhos conseguiram convencer a mãe de D’afolha e ele virou o caçula do clube. As primeiras semanas se passaram com todos os membros do grupo tentando descobrir como funcionava a estranheza de D'afolha. Depois de muito tempo de observação e até de busca em livros e enciclopédias, Arco chegou a uma conclusão: D’afolha tinha a estranheza de conseguir animar organismos sem vida, como pedaços de madeira, folhas e até presuntos e insetos mortos. Não os ressuscitava, mas animava-os e podia faze-los tomar a forma que ele quisesse, inclusive mudando sua consistência. Ele e Arco ficaram muito amigos. A garota pintava as folhas e D’afolha fazia elas dançarem e voarem, criando um espetáculo secreto, que so podia ser visto pelo secreto grupo participante do Clube.
  O clube ganhou também um poderoso combatente. Unha ensinou D’afolha a brigar e este se tornou um brigão formidável, pois suas folhas e insetos mortos obedeciam a seus comandos mentalmente, diferente de Amigo, que tinha que dar comandos de voz para os animais e torcer para que eles o atendessem. O pequeno garoto disse que já conseguiu transformar as folhas em coisas afiadas, mas que não mostraria isso porque poderia machucar os animais de Amigo. Menino cuidava muito de D’afolha, mas sentia algo estranho quando estava com ele, uma espécie de mau-pressentimento. Isso se confirmou quando Tobé, um falcão que sempre vinha visitar Amigo disse que os animais não gostavam muito de D'afolha, porque ele se metia demais no reino da morte, propriedade que deveria ser exclusiva da mãe natureza, e que mesmo sem saber, era um profanador. Menino e amigo não sabiam muito bem o que essa palavra queria dizer, mas não gostaram do que ouviram e preferiram não contar para os outros.
  Menino sempre levava D'afolha para casa, pois prometera para sua mãe que o faria sempre. Os pais de D’afolha eram muito legais, mas parecia que tinham medo que as pessoas comuns soubessem da estranheza de seu filho e acabavam agindo de forma superprotetora. Talvez aí estivesse o problema, pensou Menino, como se já fosse um analisador de assuntos adultos. Seus pais também já foram assim, mas com o tempo passaram a deixá-lo mais livre e ele se tornou um garoto valente. D'afolha, apesar de esperto e alegre, tinha muitos receios. As vezes ele tinha até medo de subir as escadas do clube. Mas o que Menino percebia era que aquela era uma família extremamente unida. O amor dos pais era visível em cada gesto. Em segredo, a mãe de D'afolha o agradeceu por cuidar de seu filho, permitindo que ele pudesse visitar o mundo sem precisar fugir de casa, e lhe deu um beijo no rosto. Menino guardou aquela sensação por muito tempo, passando a mão no local onde havia sido beijado por uma mulher que não era sua mãe. Pensou se um beijo de Arco também causaria aquela sensação.
  Numa segunda-feira, os Estranhos sentiram falta de D’afolha no colégio. ele já havia ficado gripado algumas vezes, mas sempre ligava avisando que ia faltar e que não poderia ir ao clube. Procuraram pelo colégio inteiro, até que o Sr. Borba, o diretor, veio falar com eles. Ele tinha voz grossa e cara de mau, e sua barriga chegava antes que ele à maioria dos lugares. Amigo dizia que a placa em sua porta devia ser mudada de Diretor para Doador profissional de broncas.
- Ei vocês aí pirralhos, vocês são amigos do Everaldo Soares não são?
Os estranhos se entreolharam. Menino tomou a frente da conversa.
- De quem?
- Everaldo Soares, que vocês idiotamente chamam de D’afolha.
- Somos sim, o que aconteceu com ele?
- Ele vai ser transferido para outro colégio, pediu pra avisá-los e dizer que gostou muito de ter conhecido todos vocês.
- Como assim! Os pais dele não disseram nada pra gente! - disse Arco, indignada. Menino encostou-se na parede, como que pressentindo que iriam ouvir algo ruim a seguir. Estava malditamente certo.
- Vocês não estão sabendo? Ele vai morar com uma tia agora, acho que é a madrinha dele.
- Mas porque?! - disse Unha, confuso - O senhor sabe o motivo?

- Everaldo e os pais sofreram um acidente de carro esta noite. Ele sobreviveu e está bem, mas os pais estão mortos.

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