Jolbert não conseguia ouvir o que as pessoas estavam
gritando. Era uma multidão, algo assustador. O vento batia em seus cabelos e
ele podia sentir uma miríade de aromas. Em algum lugar um rock aleatório estava
tocando.
Lá em cima, de onde as pessoas pareciam formigas, Jolbert
pode revisitar o que o levou até ali.
Há três anos tudo era totalmente normal para ele. Jolbert,
cara normal, estudante de Ciências da computação (um nome que ele achava
exagerado), trabalhador registrado em uma empresa de comunicações, morador da
casa dos pais. Tinha uma namorada maravilhosa, carinhosa, inteligente, um pouco
tímida (mas não quando estavam a sós), ótima gamer e despojada (além de, nas
palavras do próprio Jolbert, ter o par de seios mais perfeitos que uma garota
sem silicone pode ter. Sempre dizia aos amigos: “Quando tocava neles, eu tinha
certeza da existência de um ser perfeito como Deus, pois só Deus poderia
conceber tal perfeição”).
Ele quase a amava.
E então num dia normal de verão, que fazia um calor infernal, Jolbert saiu de casa para ir trabalhar, mas
não fazia idéia do que aconteceria. Com seus fones no ultimo volume, Jolbert
não ouviu a buzina do caminhão de verdura que perdeu o freio e passou no sinal
vermelho.
Quando acordou, a primeira coisa que ele sentiu foi uma
coceira incontrolável nas pernas, mas quando tentou aliviá-la, tocou o espaço e
nada sentiu. Suas duas pernas haviam sido amputadas, e sua espinha, “fatalmente
danificada”, diria o médico, o que significava que nem mesmo próteses o fariam
caminhar outra vez. Jolbert era agora mais um ser que deveria começar sua vida
do zero.
Encarou de forma conformada sua nova situação. Afinal, era
normal conformar-se. Não julgou sua namorada quando ela o deixou, afinal não
iria querer que ela ficasse presa a um cara inválido (e que agora tinha um
pênis apenas para urinar). Depois de um semestre inteiro ele voltou para a
universidade. Seus amigos mais superficiais se afastaram e os mais chegados
continuaram ao seu lado. Não se sentiu vazio ou deprimido, apenas indiferente,
o que às vezes pode ser pior. Pôde continuar tanto com seu trabalho quanto com
seu curso, o que, para Jolbert, não fazia diferença.
Mas as coisas mudaram quando, descendo uma das rampas de
acesso da universidade, Jolbert não conseguiu segurar as rodas de sua cadeira e
foi declive abaixo numa velocidade incrível. Só conseguiu frear quando, sem
querer, desequilibrou uma das rodas e diminui sua velocidade arrastando o ombro
e o rosto na parede. Jolbert nem ligava para sua cara ralada. O que sentiu foi
uma coisa totalmente nova: adrenalina.
E depois de três anos, depois de muito treino e preparação,
lá está ele, Jolbert, no topo da Megarampa em mais uma edição do X-games,
pronto para descê-la o mais rápido que puder.
Jolbert não sabia se ia conseguir aterrissar sua cadeira. Eram
100 m. de descida que terminariam num salto, que separa por 7 metros o atleta
da rampa seguinte. Se errasse, o atrito da roda poderia travar a cadeira e ele
seria arremessado. Aproximou-se da borda, fechou seu capacete de Power Ranger
verde e segurou firme o apoio das rodas. Pensou em toda sua vida até agora, e
em como sentia-se, finalmente, feliz. Tudo ficou em silêncio. Tudo se resumia a
ele e suas rodas. Fechou os olhos e sorriu. Ele e as rodas. E então, girou-as.
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