A paisagem se repetia
por quilômetros e quilômetros. Ela corria pela pequena estrada de terra,
tentando evitar o campo de flores que se estendia até o horizonte, mas suas
pernas pareciam patinar em geléia. Sua visão estava meio turva. Talvez tudo fosse
um sonho.
O sol do fim de tarde
deixava a atmosfera tingida de laranja. Rosas vermelhas do tamanho de bolas de
boliche e com metro e meio de altura cobriam toda a extensão que seus olhos
humanos poderiam alcançar. Eram rosas magnificas, mas tinham algo de errado.
Aliás, todo o lugar tinha algo de muito errado, ela percebia.
Vindo de longe, uma voz
começa a entoar uma canção. A melodia é doce, mas o que ela sente é um pavor
tão aterrador que a deixa nauseada. Então, como se estivesse ali desde sempre,
uma mulher gigante, com cerca de cinco metros de altura, lhe observa a poucos
metros de onde ela estava. A única peça de roupa que a gigante usa é uma saia
de colegial. Seu corpo é bonito, mas seu rosto é totalmente inexpressivo,
emoldurado por longos cabelos loiros.
- Ana...
Quando a gigante fala,
seus lábios não se movem.
- Você não pode mais
sair daqui Ana. Você esteve muito tempo vagando. Você vai sentir medo e não vai
sair daqui. Vai ser mais uma das minhas rosas.
Ana estava paralisada,
imóvel, petrificada. A gigante se abaixa, pega uma mulher de meia idade do chão,
e como se fosse uma folha, parte-a ao meio. Ela deixa o sangue escorrer, e da
poça escarlate nasce mais uma rosa. A mulher não estava ali antes de ser pega,
Ana sabia disso.
- Você vai ser mais uma
que irá temer a vida. Você não se arriscará. Você vai ter medo da frustração e
vai se acomodar, culpando o mundo por sua insegurança. E quando você estiver
pronta, você vai se tornar mais uma das minhas rosas e me ajudará a embelezar
este mundo.
Ana queria gritar,
queria dizer não, queria rugir “NÃO!”. Aos poucos seus pés começam a se mover e
Ana cambaleia para dentro do campo de rosas. Os espinhos são do tamanho de mãos
humanas. Ana se apavora ao perceber que não são espinhos, e que de fato são
mãos. Elas a seguram com força e acabam por rasgar a barra de seu vestido. De
volta à estrada, ela corre e corre e corre e corre... Mas o lugar é sempre o
mesmo. Então ela para. Percebe que não há do que fugir. Ela passou a vida fugindo e está cansada disso. Ela sente a brisa morna do crepúsculo e sorri. Volta-se para trás e observa a gigante,
agachada e tranquila em meio à suas rosas. Já não parece tão gigante.
- Ele será um
passatempo Ana. Você virá para mim quando cansar dele. Ele não é nada além de
nada, assim como você é nada. Aliás, você é algo, querida. Você é medo.
- E você se engana –
responde Ana, sorridente, sem sombra de medo em sua fala – Ele é tudo. Ele é
risco, é certeza, é duvida, é passado, mas principalmente futuro. Se der
errado, foi por que deixou de dar certo, mas um dia esteve certo, e nesses dias
eu estava feliz. Eu não sou medo. Eu sou tentativa e erro, e sou feliz. E vou
ser feliz enquanto puder ser porque arrisquei e vivi. Eu não sou medo, sou
vida.
A gigante permanece
parada, como se estivesse alheia à situação. Ana se sente exultante, e a
paisagem muda de forma rápida, como acontece nos sonhos. O sol toca seu rosto e
as rosas tornam-se lavanda. E o vento que mexe seu cabelo não venta
propriamente, porque é físico e pode ser tocado.
Ela fecha os olhos e
inspira profundamente. “Sou Ana, e amo”, pensa. E quando abre os olhos, ela
está em sua cama, e o vento são as mãos dele, acariciando seus cabelos.
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