28.3.13

Rosa e Lavanda


   A paisagem se repetia por quilômetros e quilômetros. Ela corria pela pequena estrada de terra, tentando evitar o campo de flores que se estendia até o horizonte, mas suas pernas pareciam patinar em geléia. Sua visão estava meio turva. Talvez tudo fosse um sonho.
   O sol do fim de tarde deixava a atmosfera tingida de laranja. Rosas vermelhas do tamanho de bolas de boliche e com metro e meio de altura cobriam toda a extensão que seus olhos humanos poderiam alcançar. Eram rosas magnificas, mas tinham algo de errado. Aliás, todo o lugar tinha algo de muito errado, ela percebia.
   Vindo de longe, uma voz começa a entoar uma canção. A melodia é doce, mas o que ela sente é um pavor tão aterrador que a deixa nauseada. Então, como se estivesse ali desde sempre, uma mulher gigante, com cerca de cinco metros de altura, lhe observa a poucos metros de onde ela estava. A única peça de roupa que a gigante usa é uma saia de colegial. Seu corpo é bonito, mas seu rosto é totalmente inexpressivo, emoldurado por longos cabelos loiros.
   - Ana...
   Quando a gigante fala, seus lábios não se movem.
   - Você não pode mais sair daqui Ana. Você esteve muito tempo vagando. Você vai sentir medo e não vai sair daqui. Vai ser mais uma das minhas rosas.
    Ana estava paralisada, imóvel, petrificada. A gigante se abaixa, pega uma mulher de meia idade do chão, e como se fosse uma folha, parte-a ao meio. Ela deixa o sangue escorrer, e da poça escarlate nasce mais uma rosa. A mulher não estava ali antes de ser pega, Ana sabia disso.
   - Você vai ser mais uma que irá temer a vida. Você não se arriscará. Você vai ter medo da frustração e vai se acomodar, culpando o mundo por sua insegurança. E quando você estiver pronta, você vai se tornar mais uma das minhas rosas e me ajudará a embelezar este mundo.
   Ana queria gritar, queria dizer não, queria rugir “NÃO!”. Aos poucos seus pés começam a se mover e Ana cambaleia para dentro do campo de rosas. Os espinhos são do tamanho de mãos humanas. Ana se apavora ao perceber que não são espinhos, e que de fato são mãos. Elas a seguram com força e acabam por rasgar a barra de seu vestido. De volta à estrada, ela corre e corre e corre e corre... Mas o lugar é sempre o mesmo. Então ela para. Percebe que não há do que fugir. Ela passou a vida fugindo e está cansada disso. Ela sente a brisa morna do crepúsculo e sorri. Volta-se para trás e observa a gigante, agachada e tranquila em meio à suas rosas. Já não parece tão gigante.
   - Ele será um passatempo Ana. Você virá para mim quando cansar dele. Ele não é nada além de nada, assim como você é nada. Aliás, você é algo, querida. Você é medo.
   - E você se engana – responde Ana, sorridente, sem sombra de medo em sua fala – Ele é tudo. Ele é risco, é certeza, é duvida, é passado, mas principalmente futuro. Se der errado, foi por que deixou de dar certo, mas um dia esteve certo, e nesses dias eu estava feliz. Eu não sou medo. Eu sou tentativa e erro, e sou feliz. E vou ser feliz enquanto puder ser porque arrisquei e vivi. Eu não sou medo, sou vida.
   A gigante permanece parada, como se estivesse alheia à situação. Ana se sente exultante, e a paisagem muda de forma rápida, como acontece nos sonhos. O sol toca seu rosto e as rosas tornam-se lavanda. E o vento que mexe seu cabelo não venta propriamente, porque é físico e pode ser tocado.
   Ela fecha os olhos e inspira profundamente. “Sou Ana, e amo”, pensa. E quando abre os olhos, ela está em sua cama, e o vento são as mãos dele, acariciando seus cabelos.

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