Ela tá ali! Bem ali,
aham, to vendo ela. Ela tem uma outra também. Olha só, mais uma coisa em comum.
Caminho até ela e digo Oi! e ela diz oi de volta. Ela sorri e seu sorriso é
lindo. A outra dela é linda também, mas é uma beleza feia, que é ruim. O meu
outro gosta dela. Fica todo eriçado perto da outra. O outro e a outra, quase
nome de filme.
O outro é ruim. Ele me
leva pra assistir umas coisas feias. A gente tá andando assim e de repente ele
me puxa pra um beco onde tem um mendigo dormindo. Ele mostra pra mim como é
fácil cravar uma faca na aorta. Eu não sei o que é aorta, mas quando ele faz
isso sai vermelho das pessoas, e eu fico triste, por que eu não queria estar
vendo aquilo, porque é feio e parece errado. Aí ele me leva pra um restaurante
chique. A gente trabalha de garçom e serve comida pras pessoas. Todas elas se
vestem muito bem, mas tem cheiro ruim. Elas fedem e tentam disfarçar com
perfume. O outro disse que o fedor vem de um negócio que todas aquelas pessoas
tem. “O fedor vem da carteira” ele disse. Ai a gente espera alguém entrar no
banheiro, pode ser homem ou mulher, e daí ele me faz ir com ele até lá, e
quando a pessoa fica sozinha ele diz pra mim “Olha só, hoje é dia de jugular”,
e de novo sai vermelho, e isso é feio, feio e errado.
Tem dias que ele fica
em casa dormindo, e nesses dias eu acho bom. Tenho tempo pra cheirar flores e
dar comida pros passarinhos da praça. Daí nesses dias eu posso jogar dominó com
os velhinhos e comer bolinho de carne com café ali na barraquinha. Teve um dia
que o outro fez eu assistir ele tirando vermelho de um velhinho da praça.
Quando cheguei em casa, eu chorei muito mesmo. Foi o dia mais descrupuloso que
eu tive.
Mas daí eu vi ela, bem
ali, esperando o ônibus, e acho que ela tava indo ver o homem no branco que nem
eu. Tinha uma outra com ela também. A gente sentou juntos no ônibus, e o outro sentou com a outra no banco de traz.
A gente começou a conversar sobre eles, e das coisas que a gente não gostava
que eles faziam. Ela me contou que a outra dela era meio maluca, mas não fazia
sair vermelho de ninguém. Quando falei disso pra ela, ela disse “Hein, como
assim?” e disse que a outra gostava de dar beijo. Ela chamava uns meninos, e as
vezes uns caras mais velhos. A outra via eles algumas vezes e depois não via
mais. Tirava a roupa com eles e fazia eles ficarem dançando com ela, as vezes
na cama, as vezes no chão. Eu não entendi porque ela gostava de fazer isso, por
que tirar a roupa dá vergonha, e ela me contou que muitas vezes a outra recebia
ligação, e os homens diziam pra outra que ela tinha acabado com a vida deles. O
pior que ela falou que a outra fazia ela assistir a dança, e eu falei que isso
devia ser chato, e ela disse aham.
No banco de traz, os
outros ficaram fazendo coisas estranhas, e ela disse que era isso que a outra
fazia com os homens e meninos. A gente quis descer do ônibus e fugir, mas quando
a gente fez eles desceram também. O outro pegou eu e ela, e levou nós dois mais
a outra até um beco pra tirar vermelho de um mendigo, e quando ele tirou, a
outra começou a rir demais. A gente fugiu pra minha casa e deixou os dois
rindo, mas eles eram muito rápidos e alcançaram a gente. Quando a gente chegou
no meu quarto, os outros tiraram a roupa e ficaram dançando por muito tempo. E
isso começou a acontecer muitos dias.
Dai agora é assim: toda
vez que os outros dançam, eu e ela ficamos passeando na praça, e quando a gente
da as mãos eu fico com calor, mas é um calor gostoso. E a gente caminha e toma
sorvete, e vai junto no homem no branco, e dai tudo fica muito mais bonito
quando eu to com ela. E nem parece que os outros existem.
O final.. no final dá para perceber, pela última frase, um sentido formado. Os outros, não importarão, quando se está perto e com quem é especial. Bom blog
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