30.9.13

O Trem da noite

   Silvio estava cansado de esperar.  Maria disse que voltaria no ultimo trem, mas como ele não sabia quais eram os horários, foi para a estação no fim da tarde.
   Os pais de Maria moravam em um bairro já quase fora de Tokyo, num lugar de difícil acesso e relativamente perigoso. Das vezes que foram juntos, nunca aconteceu nada, mas como tinham brigado na noite anterior, Maria quis ir sozinha.
   Silvio saiu do trabalho e foi para a estação.
   Matou tempo lendo uma revista de mangás que achou abandonada em um banco, e depois andando de um lado para o outro. Foi até a beirada, de lá foi para a esquerda, e depois para a direita, subindo no pavimento, costurando o chão com seus pés. A estação estava incrivelmente vazia naquele dia.
Trens e mais trens (ou seriam metrôs) chegavam e saíam, mas Maria não saía de nenhum deles.
   Por um tempo, Silvio ficou observando um velhinho que se aproximava da borda da estação. Levava quase dois segundos para dar um passo. Suas costas estavam encurvadas, e ele se apoiava em uma bengala simples de bambu. Usava pulôver sobre uma camisa branca e uma boina verde, muito comum entre os anciãos japoneses. O trajeto, que pessoas jovens faziam em menos de trinta segundos, já estava sendo percorrido a cerca de oito minutos pelo velhinho. Quando chegou na borda, exatamente no mesmo momento um trem encostou e abriu a porta. Sem parar, continuando seu ritmo, aquele senhor entrou no trem, como se simplesmente estivesse continuando a caminhar pela estação. Silvio primeiramente pensou em sorte, mas depois, nada lhe tirou da cabeça que aquele senhor tinha calculado o tempo minuciosamente. “Eis um bom exemplo do que é ser um com o mundo” ironizou em pensamento.
   Quando o trem da meia-noite, ultimo da linha, chegou e não saiu Maria de lá, Silvio deixou  de lado o torpor e se preocupou. “Algo deve ter acontecido” pensou ele. Saiu correndo da estação e foi até em casa. Morava perto, e por isso não viera de carro. Pegou uma blusa, um pacote de bolachas, cigarros e isqueiro. Pegaria o carro e iria até a casa dos sogros. Algo não estava cheirando bem.
   De fato, cheirava à merda de cachorro.
   Silvio começou a procurar a origem do fedor, afinal, ele e Maria não tinham animais de estimação. Viu manchas no chão que continuavam pela escada. Segurou seu ímpeto de subir correndo e foi até o carro pegar a arma.
   Seguiu as marcas de cocô no assoalho e chegou até seu quarto. Abriu a porta vagarosamente e acendeu a luz. Viu apenas um amontoado de cobertores e edredons na cama. No chão, os tênis de Maria. Dava para ver um pouquinho de bosta na lateral do calçado. Caminhou devagar até a cama, e ao puxar as cobertas, viu Maria dormindo, uma esfera de baba decorando a fronha.
   Ele sorriu. Maria devia ter voltado mais cedo, e como estavam brigados, não havia ligado. Silvio foi até o carro e guardou a arma, achando graça no fato de não ser um com o mundo.

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