Mais ou menos às três e
meia da tarde é o horário da primeira pausa das pessoas que trabalham no
Agora’s Office Building. O prédio tem uns 70 andares, e uns 350 escritórios das
mais variadas empresas. Nesse prédio, funcionam desde ONG’s de apoio aos
refugiados na África até escritórios de agenciamento de prostitutas.
A cada quinze ou vinte
andares, uma das varandas é usada como fumódromo. Isso faz com que os
elevadores estejam constantemente fedendo à cigarro.
No fumódromo do
quadragésimo sétimo andar, apenas uma mulher frequentava o local. Julia era
ruiva, vaidosa, aquele tipo de mulher que é bonita e sabe disso, e se diverte
com isso. Todos os homens que frequentam aquela varanda já tentaram alguma
coisa com ela, mas ninguém conseguiu nada além de uma conversa. Na realidade,
quase todos.
Julia não conseguia
entender. Já usou todo tipo de cor de roupa, já aumentou o decote, diminuiu a
saia, diminuiu o decote e aumentou a saia, já fez cabelo liso e cacheado, já
usou perfume e já veio sem tomar banho. Não importava o que ela fizesse, tinha
um cara que nunca vinha falar com ela.
Ela sabia de sua
própria beleza, e sabia que provavelmente, o problema não era com ela. Gostava
de ver como os caras se insinuavam pra ela, faziam poses, davam um jeito de
tirar o paletó e arregaçar as mangas, pra mostrar os braços. Ela achava muitos
deles bonitos, e muitos eram bem simpáticos e divertidos, mas ela gostava muito
mais da situação, da sensação de controle sobre eles, da idéia de ser desejada,
de ser intocável. Mas aquele cara, aquele, nunca sequer olhou pra ela.
Ele era bonito, mas
nada de mais. Ela sabia que o que a atraia nele era, justamente, o fato de ele
não dar a mínima para ela. Julia pensava que ele se sentia superior, ou algo
assim. Chegou a pensar que fosse gay, mas ela sabia identificar homossexuais, e
logo descartou essa possibilidade.
Ele quase sempre usava
as mesmas roupas, variando só nos tons: uma jaqueta de couro escura, calça
jeans, bota de montanhismo, sempre com o cadarço desamarrado. Cabelo entre
médio e grande, e barba rala, sem cuidados. Ele não chegava a parecer sujo, mas
sim muito desleixado. E fumava um cigarro atrás do outro, praticamente
acendendo o segundo no fogo do primeiro, e assim por diante. Sua rotina era sempre
a mesma: jogar o isqueiro vermelho para o alto e agarra-lo, duas vezes, acender
o primeiro cigarro e fumar olhando o horizonte da cidade grande. Sempre cinco
cigarros, depois uma cuspida no chão, e voltava para o prédio, de cabeça baixa,
até o elevador.
Certo dia, Julia se
cansou daquela situação. Ignorou um cara de óculos e com bafo de cebola que
falava com ela e caminhou até o fumante solitário. Todos os caras prestaram
atenção, como que esperando pra ver o que aconteceria a seguir. Alguns, só
estavam olhando pra bunda dela mesmo.
Julia parou ao lado
dele e esperou. Ele a fitou com o canto dos olhos rapidamente, e logo voltou a
encarar o horizonte, como se estivesse concentrado em algo. Ela foi direta, e sem rodeios, mostrou a que veio
- Ei cara, eu tava ali pensando, porque você
nunca veio falar comigo? – a intenção dela era demonstrar superioridade, mas
sua voz saiu mais aguda do que deveria, e ela se odiou por isso.
Ele a fitou de forma
poderosa. Seus olhos eram escuros, lindos, porem sem brilho. Frios.
- E porque eu deveria?
A dureza de sua voz
rouca deixou-a de pernas bambas. Estava ficando nervosa. Sempre foi segura ao
lidar com os homens, mas aquele cara era diferente. Ela então usou o velho
truque de mexer nos cabelos e sorrir.
- Bem, todos os caras
deste fumodromo já vieram falar comigo, e parece que você se acha superior
demais pra fazer isso também. Qual é o problema, eu cheiro mal?
Julia disse tudo isso
sorrindo, tentando soar brincalhona. Mas ela estava fazendo perguntas sinceras.
O cara simplesmente apagou o cigarro, soltou a fumaça pra cima, cuspiu no chão
e se dirigiu ao elevador.
O sorriso no rosto de
Julia derreteu como vela. Ela ficou olhando incrédula para aquele homem
enquanto ele sumia por detrás das portas. Quando ele se foi, Julia correu para
o outro elevador, sem entender porque estava chorando.
Mais tarde, em casa,
ficou pensando sobre o acontecido. Ela sempre foi muito orgulhosa, e naquele
dia, pela primeira vez desde o colégio, alguém a tinha humilhado. Ela não
deixaria barato.
No dia seguinte,
começou a investigar a vida do cara. Descobriu que ele se chamava Diogo, e
trabalhava em uma empresa de design. Ele era ilustrador na empresa, e até já
tinha conseguido vender alguns quadros pintados a óleo.
Julia ligou para a
empresa e pediu para marcar horário com algum designer do escritório, alegando
que precisava criar uma logomarca. A secretária do lugar indicou um café, no
sábado.
Enquanto esperava, no
horário marcado, um rapaz alto, negro, chegou até sua mesa, e entregou um
cartão de visitas. Era do escritório de Diogo. “Cadê ele?”
Sentiu um balde de agua
fria apagar seu animo. Estava decidida a ganhar algo do cara, ou pelo menos
humilhar seu trabalho, mas se viu perdida quando o outro rapaz apareceu. Ela
fingiu interesse e eles conversaram por algum tempo. O rapaz ofereceu café, ela
pediu conhaque, ele então a acompanhou.
Depois de alguns
tragos, Julia aproveitou para saber mais sobre Diogo. O rapaz estava
visivelmente bêbado.
- Achei que o outro
rapaz viria me atender. – disse ela
- Não, não, o Diego
nunca atende os clientes. Ele é nosso melhor desenhista, mas se tornou um
recluso. O melhor é que, mesmo sem estar presente, ele consegue entender a
ideia que a gente leva pra ele, saca? O cliente sempre sai satisfeito.
- Recluso? Como assim?
- Ele não faz nada,
moça, e se você tá interessada nele, já desista. Ele ficou viúvo ano passado.
Desde então, ele só vai de casa pro trabalho, do trabalho pra casa, e fuma,
fuma, fuma. Só isso. A mulher dele morreu de câncer de pulmão. Corroeu ela por
dentro, em menos de dois meses. Ela corria maratonas e nunca colocou um cigarro
na boca, nenhum, nenhum, acredita? Depois disso, o Diogo nunca mais foi o
mesmo, só sabe fumar agora, e de vez em quando enche a cara. Mas continua
trabalhando direito. Dizem que, quando estavam jogando a terra em cima do caixão
dela, o Diogo puxou o primeiro cigarro dele e começou a fumar ali. Se engasgou
e tudo, nem tragar sabia. Ele disse que fumar é a única coisa que resta pra
ele, que é uma espécie de busca. Loucura né?
Enquanto o rapaz
gargalhava e arrotava, os sons ao redor de Julia foram diminuindo, e ela se viu
dentro de sua própria mente. Uma tristeza estranha, esmagadora, se apossou
dela.
“Uma busca”.
E desde aquele dia,
sempre que vai fumar, Julia observa Diogo. Não conversa mais com os outros
homens e parou de se arrumar tanto. Estava mais simples. Ela agora sentava em
um banquinho, e com seu cigarro mentolado, observava Diogo, que observava o
céu. O olhar dele já não lhe parecia o de alguém concentrado, seguro.
Diogo tinha um olhar de
desespero.
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