16.6.12

Omelete


Sim, ainda posso me lembrar. Sente-se, fique à vontade.
Bem, eu era apenas um cadete quando os ataques começaram. Não sabíamos de onde vinham, nem o porquê de estarem nos atacando. Não, obviamente não era por dinheiro. Talvez fome, talvez diversão, não sei dizer ao certo. Já antes de a guerra começar, estávamos sendo treinados com muito rigor, pois o risco de um conflito contra a Hungria era muito grande. Mas tudo isso foi por água abaixo quando “eles” chegaram. Conseguimos vencê-los, mas vou te contar o inferno que foi tudo isso:
Eles se pareciam com moluscos, eram todos nojentos e pegajosos. Eles pareciam ser diferentes uns dos outros, eram meio burros, lerdos, mas subestimá-los foi o maior erro que cometemos. Tiros e mísseis não adiantavam, fogo e gelo também não. Teve um coronel que tentou ataca-los com uma espada, mas foi em vão. Eles se arrastavam lentamente, mas quando nos viam, agiam rápido. Seus pseudópodes se esticavam até capturar dois ou três soldados, que eram sugados para dentro dos corpos transparentes das coisas. Eu vi meus amigos derretendo e sendo digeridos aos poucos, como se fosse um processo de fagocitose. O horror que aquelas merdas causavam em nós era enlouquecedor. O ácido que jogavam era gosmento e parecia perseguir a carne da gente. Se pegava na roupa, não acontecia nada, mas, uma vez em seu uniforme, aquilo corria para o primeiro pedaço de pele que estivesse à mostra, e você estava condenado. Parecia viva.
Já não sei mais se estou te contando meus pesadelo ou minhas memorias. Ah tudo bem. Como? Ora, é logico que eu tive medo. Uma vez, e por favor, não publique isso, um tentáculo quase me pegou, mas consegui deixar que a coisa levasse meu fuzil. Não tinha nada para me proteger, e comecei a fugir. As coisas estavam nas paredes dos prédios, no teto, pelas ruas, à espreita em todos os lugares possíveis. Me escondi dentro de uma casa e fiquei lá por alguns minutos, até que a porcaria que me perseguia quebrou a parede e, hein? Sim, sim, elas tinham força pra isso. Tá, e daí? Só por que uma coisa é mole não quer dizer que não tenha força. Enfim, ela, ele, sei lá, aquilo me achou. Corri pela sala e por algum motivo estranho juntei um guarda-chuva que estava nos escombros, bem na hora que o monstro atirou a gosma dele em mim. Abri o negócio na última hora, e aquilo me salvou. Sim, tive que trocar de calças. E essa foi só a primeira vez meu rapaz. Foi só o primeiro de muitos sustos.
Bom, aí entra a historia de como fiquei famoso. Eu era bombeiro antes de me alistar. Fazia parte daqueles grupos de bombeiro-mirim, sabe? Lá nós aprendemos a usar várias coisas. Por algum motivo, lembrei das aulas sobre os extintores, acho que foi Deus que me iluminou. Peguei um extintor de incêndio e avisei meu colega, que era, como vocês chamam mesmo? Sniper, isso mesmo. Na minha época era franco-atirador. Então, pedi pra ele que, assim que a coisa pegasse o extintor, comigo junto ou não, ele deveria disparar e ver o que acontece. Sim, ele fez a mesma cara que você e me chamou de maluco, mas disse que tentaria. Peguei um extintor e sai detrás da parede que nos protegia. Uma das coisas me viu... me viu não, aquela porra não tinha olhos. Bem, uma delas me sentiu e na mesma hora lançou um de seus tentáculos. Deixei o extintor na frente, como tinha feito com o fuzil, mas a coisa foi tão rápida que carregou uma das minhas luvas. Sorte eu estar usando elas, senão, teria encostado na minha pele e me feito ficar paralisado, e daí, tchau tchau Sargento Gordon. Assim que a coisa engoliu o cilindro vermelho, meu amigo disparou e explodiu o extintor dentro do monstro: bingo! A substancia anti-incêndio causou uma reação no bicho e ele inchou e se desfez que nem uma monte de merda tuberculosa. Depois disso, eu e Zijak ficamos famosos. Mais tarde foi descoberto que apenas o extintor de espuma funcionava, e que pra funcionar, tinha que ser de dentro pra fora. O método só funcionou porque os monstros sempre estavam com fome e sempre atacavam.
O quê? Depois da guerra? Bem, depois da guerra é isto, tudo o que você vê à nossa volta é o que eu tenho pra te falar.  Trauma? Como assim? Não entendi... Ah, sim, isso sim, consegui me relacionar com uma mulher ou outra, mas elas sempre iam embora depois de descobrir que eu não paro de gritar e reviver a guerra durante a noite, e por isso continuo solteiro. A única que durou mais tempo foi Julia, uma bailarina de Vlostok. Assustei muito ela na primeira vez que dormimos juntos. Acordei assustadíssimo. Ela acendeu o abajur e deu um grito. Disse que meu rosto estava pálido, quase branco. Ficou um bom tempo me acalmando. Por algum motivo ela estava só de calcinha, mas não lembro de termos transado, pelo menos não naquela noite. Ela era uma boa companheira, sinto sua falta.
Sim, essa fazenda veio por causa da fama. Cansei de ser herói. Depois que você fica velho, a fama e outras futilidades perdem o valor. Espero ficar bastante tempo vivo ainda. Acabou? Que isso, eu que agradeço. Volte outras vezes, ainda gosto de dar entrevistas. Te mostro algumas fotos e te levo pra ver a fazenda e a criação. Não, imagina, não seria incomodo. Voce tem a idade de meu sobrinho, gosto de você. Venha sim, será um prazer. Mas venha para o almoço, você vai gostar da minha omelete de ovo de avestruz. Até mais!

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