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Me espere bem linda, viu?
Com
essa frase, Thiago encerrou a ligação. Teria que fazer hora extra naquela
noite, mas como estava com muita “saudade” de sua esposa, Carol, lhe telefonou
e implorou para que o esperasse. Carol, com sua risadinha safada, respondeu que
estava muito cansada, mas que ele poderia acordá-la, sem problemas.
Thiago
chegou do trabalho perto da meia-noite, muito cansado, mas não o suficiente.
Guardou o carro na garagem e entrou em casa.
Isto é, tentou entrar.
Por algum motivo a porta que dava da
garagem para a sala estava trancada e a luz estava acesa, coisas que nunca
aconteciam. “Deve ser o horário, ou talvez, a chave tenha ficado na diagonal e
por isso não consigo girar a minha”. Thiago saiu da garagem e dirigiu-se até a
porta da frente. Já começava a ficar contente, pensando se Carol não teria
feito aquilo de propósito apenas para deixa-lo mais ansioso. Porém, tudo foi
por água abaixo quando ele espiou pela janela. O que viu o deixou atônito.
A casa estava revirada: os quadros
estavam voltados para a parede, a geladeira aberta deixava escorrer o gelo
derretido, a mesa e as cadeiras estavam de cabeça para baixo, o tapete estava
soltando fumaça e Carol, com o rosto vermelho e lágrimas escorrendo, cortava
seu próprio cabelo.
- Carol! Carol!
Thiago correu para a porta mas não
conseguiu abri-la. Carol gritou por ele e correu até a porta. Neste momento,
papéis girando em círculos carregados por uma espécie de mini furacão vieram da
cozinha. Como se fosse mágica, o vento
vivo abriu e fechou a porta rapidamente, empurrando Thiago para trás e
deixando-o ainda mais confuso. Ele observou aquilo por algum tempo até que o
vento começou a perder força.
À sua frente, uma figura humana começou
a se formar. Thiago não queria acreditar, não podia, não devia. Um garoto de
pele escura, com feições africanas e traços indígenas estava parado à sua
frente, apoiado em uma perna e com a outra jorrando sangue, como se tivesse
acabado de ser dilacerada. Seu sorriso ia de uma orelha à outra, lembrando mais
um rasgo do que uma boca, e seus dentes eram pontiagudos. De seu cachimbo saía
um odor nauseante e em sua cabeça apoiava-se um gorro esfarrapado e malcheiroso.
Thiago teve que fazer força para não sujar as calças.
- Thiago! Fuja daqui! Chame a polícia!
Ele é o demônio Thiago! Chame o padre! Ele cortou nosso telefone! Vai, a gente
não pode com ele!
A criatura explodiu em uma gargalhada, e
o som era gutural e sombrio. Thiago tinha os punhos cerrados, mas duvidava que
pudesse causar danos ao monstro. Tinha emudecido. Temia por sua mulher e por
ele próprio. Sempre fora cético, e não estava nem um pouco preparado para ver um
saci de pele e osso, se é que aquilo era um saci. “Lobato, você mentiu pra mim”
pensou ele.
O monstro transformou-se em ventou outra
vez e foi para cima de Thiago. O pequeno furacão ficou em volta dele por um
tempo, e ao término, Thiago estava com as cuecas na cabeça, como que num
episódio do antigo “O Máscara”, e suas roupas estavam todas do avesso. O
monstro riu ainda mais alto, chegando a colocar as mãos na barriga. Aquela boca
demoníaca liberando aquele riso maldito era demais para Thiago, que entrou em
choque. Carol apenas chorava, vendo seu marido humilhado nas mãos do ser.
De repente, o monstro parou de rir e
ficou olhando para o casal. Ele, sentado no chão, com a boca entreaberta e
olhar vazio, ela, com os cabelos cheios de goma de mascar e o rosto vermelho. A
criatura franziu o cenho, desaprovando a situação. Grunhiu e bateu no próprio
peito. Com uma pedra, estilhaçou a vidraça principal.
- Sem graça! – vociferou o monstro,
tornando-se tornado e saindo rua afora.
Cacete, muito boa. Não esperava uma adaptação tão boa assim do Saci depois que o Motherfucker do Lobato criou(estragou) aquelas histórias.
ResponderExcluirGostei principalmente do final, isso explica por que o Saci faz sua bagunça por ai, sua vontade de zombar dos outros nunca se sacia.
Muito bom, cara! Também estou escrevendo uma série de contos na tentativa de deixar os personagens do nosso folclore menos infantis e mais assustadores. Sou fã do folclore brasileiro e realmente, é uma pena que tantas histórias estejam perdendo suas verdadeiras origens, como o Saci que hoje é visto como nada mais do que um "moleque levado", e não o pequeno capeta em que os antigos acreditavam. Ou o Curupira, que as crianças aprendem a enxergar como um tipo de super-herói, sendo que ele está mais pra um guardião feroz. Mas não acho que isso seja tudo culpa do Lobato, e sim da estranha mania que a maioria dos brasileiros tem de achar que o que vem de fora é tudo de bom e o que é daqui não presta!
ResponderExcluirMais uma vez, parabéns pelo seu conto, ficou realmente aterrador!