8.12.12

Êxodo

De longe ele observa seu povo avançando. Uma multidão se arrasta por alguns quilômetros, deixando para trás os pertences que se mostram pesados demais. Ele acena, pedindo mais pressa, pois não sabe por quanto tempo poderá segurar as muralhas de água separadas. Está calor, mesmo no fim da tarde.
Ele olha para a margem que deixaram e vê uma nuvem de areia se erguendo no horizonte. O Libertador se preocupa; teme que sejam os soldados do rei que estejam vindo em seu encalço.
A população sob seu comando está quase toda na margem segura, mas o perigo ainda existe, e muitos ainda não atravessaram a passagem.
Ele percebe que há algo errado. Alguma energia negativa paira no ar, e ele não sabe de onde vem. O Libertador procura na margem e nos céus qualquer indicio de que algo errado esteja acontecendo, mas não encontra nada. Nas muralhas de água também não há nada de diferente, apenas os peixes nadando de um lado para o outro. Mas ele sabe, pode sentir na pele que tem algum fator estranho interferindo na energia do lugar. Ele fecha os olhos e ergue o rosto. Pode sentir o tímido sol de fim de tarde tocando sua pele. Olha para seu povo novamente, e calcula que faltem apenas umas cinquenta famílias para atravessar o vale.
Porém alguma coisa chama sua atenção. Algo assusta os peixes, e de dentro da água, uma sombra começa a se aproximar. Uma sombra grande. O Libertador pensa em algum tubarão, talvez uma baleia. Sabe da existência dessas criaturas, mas nunca soubera de alguma delas nadando por estes mares. A criatura se aproxima o suficiente e para ao avistar o Libertador. É um polvo gigante, com olhos negros e profundos, com tentáculos gigantescos e narinas enormes. Pode-se perceber que seu corpo continua a estender-se por muitos e muitos metros. Mais perturbador que sua própria forma é o monstro estar estático, como pedra.
O Libertador sente uma onda de maldade atingir-lhe como se fosse uma pancada, e o terror começa a invadir-lhe o coração. Ele se segura em seu cajado e pensa em que atitude tomar. Consegue tirar os olhos do monstro, que permanece imóvel, e olha para a margem que ele e seu povo haviam deixado para trás. A nuvem de poeira vai ficando cada vez maior e mais próxima, mas não é só isso, há outra coisa.
Parados no limiar do leito marinho, três homens observam. Suas peles são azuladas e suas vestes são negras. O Libertador não consegue saber se são humanos pintados ou se são outra coisa qualquer. Assim como o monstro, os três seres ficam imóveis como estatuas, e mais uma vez o Libertador sente o mal chegar-lhe como se fosse algo palpável. À sua frente, uma criatura tão enorme quanto a esfinge do rei, e na beira do mar, três homens tão estranhos quanto qualquer coisa que ele já tenha visto. Ao que parece, as pessoas de seu grande grupo não perceberam as presenças aterradoras que se apresentaram. Estavam mais preocupadas em sair do vale de águas e alcançar a terra segura. O Libertador recobrou sua calma. Encarou os seres que só ele via e em sua mente começou a entoar uma prece.
Porém, a situação parecia piorar cada vez mais. Cruzando a linha da visão, inúmeros carros de guerra eclodem da nuvem de areia  e  começam a descer as dunas do horizonte e, numa velocidade incrível, adentram o vale das águas, com espadas e lanças empunhadas e disparando flechas. O Libertador grita para que seu povo se apresse, pois os soldados do rei haviam chegado. Temeroso, ele observa a torrente de guerreiros que aflui para dentro do caminho entreáguas, e percebe que os homens azuis começam a fazer gestos ritmados. Balançam as mãos e ajoelham-se em reverencia, fitando as águas do mar. Ainda orando, o Libertador observa a criatura marinha, e vê seus olhos brilham. De trás da cabeça do monstro, um gigantesco braço surge e uma mão avança na direção do Libertador, cada dedo do tamanho de três homens. Numa rápida movimentação de olhos, ele percebe que são os homens azuis que tem o poder de liberar a força do monstro. Resignado, o Libertador ajoelha-se e pede a seu Deus que lhe dê uma morte rápida e poupe seu povo.
Ele espera o toque do monstro, mas nada acontece. Quando abre os olhos, percebe que o polvo observa os céus. Olhando para a margem, vê que os homens azuis também olham para o alto. Nuvens giram em torno de si mesmas, adquirindo aos poucos uma tonalidade avermelhada. Os soldados do rei continuam avançando, e a linha de frente já alcança a metade do caminho. Uma flecha cai aos pés do Libertador.
Então, vindo das nuvens, uma torre de fogo se ergue na entrada do vale, impedindo a passagem dos soldados. O Libertador entende o sinal e dá graças a seu Deus. Sobe o restante do caminho atrás dos últimos homens de seu povo, e junto com eles assiste a obra de seu Senhor que lhes salva. Ele é o único que vê o monstro nadar de volta para onde veio, e os homens azuis caminharem vagarosamente na orla da margem oposta, indo para algum outro lugar. Derrotados.
O Libertador não sabe de onde vieram, mas sabe que eram feitos de puro mal. Os soldados que já tinham cruzado a passagem começam a se aproximar. Ele não é nenhum assassino, mas não pode deixar que seu povo seja afligido pelos inimigos. Com o poder que lhe foi concedido, estende as mãos e o mar fecha-se novamente, engolindo os soldados em seu abraço estrondoso. Ele assiste a cena com tristeza. Enquanto seu povo começa a se retirar, ele ainda fica observando o mar. Pode ver o pilar de fogo se dissipando. Pode ver alguns soldados tentando nadar até uma das margens, assim como seus cavalos. Mas lentamente, um a um, soldados e cavalos são envolvidos por tentáculos enormes e arrastados para os confins do oceano.
Aterrorizado, o Libertador ajoelha-se e agradece ao seu Senhor por ter lhe dado tão grande livramento.

Um comentário:

  1. Caramba, voce conseguiu juntar o Cthulhu, os caras do hellraiser e a biblia. Que drogas voce uso? Parabens

    ResponderExcluir