8.6.13

A Casa da Esquina

            Já estava quase anoitecendo quando ele chegou na casa da esquina. Tirou os sapatos e entrou pela porta da frente, que estava entreaberta. Os raios de sol entravam pelas janelas, e os lampiões ainda não haviam sido acesos. Caminhou vagarosamente e subiu as escadas com cuidado, para que as tábuas não rangessem.
            A casa tinha uma diferença importante: a maioria das casas de dois andares tinham a sala no térreo e os quartos no andar superior, mas aquela casa era diferente. Era ao contrário. Chegou até a porta dupla da sala e a abriu.
            Todas as crianças estavam sorrindo. Eram de todos os tipos e classe social. As expressões de felicidade enchiam a sala e os olhos brilhavam. A mulher estava ao fundo da sala, trabalhando com algo em seu colo. Brinquedos estavam espalhados por todos os cantos do lugar. A cena era quase perfeita.
            A mulher era velha. Ainda tinha um corpo esbelto, e seu rosto apresentava poucas rugas. Mas sua presença era velha. Sua energia era carregada, sombria. Ele logo percebeu que aquela era a pessoa que estava procurando. O cheiro de tabaco era insuportável. Caminhou mais um pouco e viu que algumas crianças não estavam tão alegres. Seus sorrisos não eram tão resplandecentes, e seus olhos não tinham o mesmo brilho das outras. Lembrou de seu filho, que, ao contrario daquelas crianças, estava sofrendo nos fundos de uma cama.
            Parou em frente à velha e esperou que ela o olhasse.
            -Sabe porque aquelas crianças estão mais felizes do que estas? – Perguntou ela, sem parar seu trabalho, e sem olhar para o alto. – Porque estas aqui são da época em que eu apenas sabia empalhar. E aquelas são de quando eu aprendi as técnicas mais avançadas de taxidermia.
            Um calafrio percorreu a espinha do rapaz. Teve que segurar o impulso de sair correndo dali. Puxou uma cadeira e se sentou na frente dela.
            - Nem todas são fruto de raptos. – disse ela. Estava instalando um pino de encaixe em um braço de uma criança de uns quatro, cinco anos.
            Ele olhou em volta. Reconheceu algumas delas de noticiários, em pedidos de ajuda para procura de desaparecidos.
            - Sou delegado. Trabalho em turnos de 24hrs. e folgo 48. Durante minha vida, matei sete pessoas em serviço.
            A velha observou seu trabalho e, dando um sorriso, conectou o braço em um menino negro, que sorria ao segurar um carrinho.
            - Veio me prender ou me matar? Estou ansiosa para saber o motivo de sua visita. Faz tempo que não vejo ninguém, principalmente um homem.
            - Vim lhe contratar.
            A velha não entendeu a principio. Ele tirou uma foto de seu filho, com tubos entrando por seu nariz, encoberto por lençóis brancos. A velha pegou a foto, sorriu após algum tempo e pôs-se então a gargalhar.
            - Sim! Eu farei com o maior prazer! Quando a doença terminar de devorar a sua criança, traga ela para mim que farei o serviço sem cobrar nada! Alias, cobrarei sim. Este meu corpo tem ansiado por algumas aventuras. Deite-se comigo por uma noite, e farei o serviço.
            - Não brinque comigo, velha – disse ele puxando seu revólver e engatilhando uma das balas – Seu veneno sujo não vai tocar o meu corpo.
            Ela pôs-se a gargalhar novamente. Ria tão forte que sua barriga começou a doer, fazendo ela se curvar. Quando fez isso, ele pôde entrever o contorno de seus seios, e viu que ainda estavam em boa forma. “Talvez essa mulher tenha no máximo quarenta e cinco anos” pensou ele. “Talvez, seu “hobby” e o fumo a tenham envelhecido.”
            - Ora, não brinque você comigo! Um homem que já matou não tem moral para me repreender por estar afim de transar! Aliás, um homem que tem o poder de acabar com o sofrimento das famílias que eu destruí, mas que ao invés disso pretende usar minhas habilidades, rá! Você é um monstro, muito mais do que eu. Esse é meu preço. Pague ou puxe o gatilho.
            O homem ficou parado por alguns minutos. Retornou o cão da arma e a guardou. A velha sorria. Ele saiu pela porta e enfrentou o ar gelado de julho.
            Dois meses depois, o filho do homem morreu.
            Ele levou o filho até a velha, e transou com ela uma única vez.

            Duas semanas depois, no sótão, seu filho brincava com uma miniatura de avião, usando uma camiseta vermelha e uma bermuda suja de terra. Permaneceria ali, com seu sorriso radiante e seus olhos brilhantes, em eterna felicidade.

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