14.9.15

Lurdes e a Janela

Um, dois, tres carros pretos passando um atrás do outro. Estranho, pensou Lurdes. Ela já havia visto alguns cortejos fúnebres, mas ela não pensava que aqueles carros faziam parte de um. Pode ser a máfia, pensou lembrando do O Poderoso Chefão que seu pai assistiu com ela.

O mundo deve ser estranho, pensava Lurdes enquanto tomava banho. A janela de seu quarto no sétimo andar era a única visão que ela tinha do mundo externo ao seu apartamento.  Ela gostava de morar no alto. O som do vento era muito agradável, embora sua janela lacrada nunca a tenha deixado senti-lo.

De sua janela Lurdes via pessoas, pássaros, nuvens, insetos, sujeira, prédios e arvores. Como deve ser boa a sensação de voar, pensava, e que cheiro deve ter um cachorro, imaginava.

Tinha um casal que sempre se beijava na entrada do prédio, igual nos filmes. Mamãe disse que nunca poderei beijar, falou sozinha, as bactérias poderiam me matar.

Quando comia seus sanduíches tratados, nas pausas dos filmes, Lurdes olhava para o prédio da frente. Havia um garoto muito bonito em um dos apartamentos. As vezes ele tirava a camiseta com a janela aberta. Ela o viu com algumas garotas algumas vezes, e ela sempre o via chorando e cortando suas próprias costas.

Mas ela era doente. Não poderia ter aquilo.

Era doente e tinha uma janela.

Lurdes cada vez mais lamentava que sua janela não se abria.

Ela queria poder sentir o mundo com a intensidade que o garoto do prédio da frente deve ter sentido quando ela o viu se atirar de seu quarto.

Um comentário:

  1. Estou Surpreso com o final e necessitado de uma continuação, amei a história.

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