10.2.12

A vida é um servidor pirata.


Voltei a jogar um multiplayer online, (que não vou dizer qual é pra não me incomodar com direitos autorais) que vinha jogando desde meus 14 anos, com algumas pausas e interrupções. Sempre rendeu boas horas de diversão, e agora, minha companhia pra jogar é nada mais nada menos que minha futura esposa. Como moramos longe um do outro, é uma forma que temos de ficarmos “juntos”.
Na época de adolescente, eu não tinha dinheiro pra poder jogar no servidor oficial, então, a minha saída e dos meus amigos foi partir para os servidores piratas. Esses servidores tem várias diferenças para com o oficial. Nos piratas, você consegue evoluir numa velocidade muito acima do normal, pode alcançar níveis mais altos, ir de uma cidade para outra apenas digitando comandos e os itens são muito mais fáceis de conseguir, além de não precisar fazer teste nenhum para mudar de classe.
Já o servidor original é exatamente ao contrário. Para ir de uma cidade à outra ou você paga caro por um teleporte (apenas cidades importantes), vai de dirigível ou andando, e isso demora. A evolução é normal, ou seja, lenta e por vezes desgastante. Os itens não caem facilmente e testes são requeridos pra mudar de classe.
Mas foi essa diferença que me fez pensar neste texto que você está lendo agora. Nos servidores piratas, onde as coisas vinham muito fácil, a diversão se tornava muito restrita aos combates. O primeiro servidor que eu e meus amigos jogamos era quase igual ao oficial. Nele foi onde vivemos coisas que conseguimos lembrar até hoje. Nos outros, ficávamos jogando por uns 2 ou 3 meses e depois cansávamos. O desafio da coisa tinha se extinguido. Agora jogando no servidor oficial (que ficou gratuito), a diversão e os desafios estão de volta, e as dificuldades são a motivação.
Aonde quero chegar? Na vida.
Nossa vida está se tornando um servidor pirata.
Temos à nossa disposição tudo o que o dinheiro puder comprar, e estamos nos tornando enfadonhos, entediados, desmotivados, vulgares. Ninguém vai contar aos filhos que "aquele banco que o seu tio está sentado fui eu e seu avô quem fizemos". Ninguém vai dizer "só dei o primeiro beijo na minha esposa depois de um mês de encontros". Nossa geração está fatigada. Nós não fazemos mais nada. Não construímos móveis, não cozinhamos, não lemos, não pintamos, não andamos no pasto e não subimos em árvores. Até o sexo está se tornando, aliás, já se tornou um passatempo, um produto, algo que se deve fazer porque se deve fazer. Programas fúteis na TV, músicas sem melodia e livros que ensinam a fazer amigos. Céus! Isso é o cúmulo! Você gastar dinheiro pra poder fazer amigos!
Estamos nos tornando máquinas. Escravos do relógio. Queremos tudo pra ontem, e ninguém mais se dá ao luxo de perder um pouco de tempo. Trocar uma balada por um lual à beira-mar? Raro. Raríssimo.
"Compremos flores de plástico, assim , não perderemos tempo pra regar". Estamos valorizando a forma da flor, e desprezando seu perfume. Estamos fazendo mil coisas ao mesmo tempo, mas não sabemos o porque.
Espero que um dia eu possa sentar com meu filho na beira da praia, tomar um sorvete e juntar conchas, e  dizer pra ele as coisas que fazíamos antes da humanidade ser escravizada pelo computador, e contar como era lindo o que tínhamos, mas não podíamos perder tempo com aquilo, e como aquilo foi perdido com o tempo.

3 comentários:

  1. Arrasou no texto!
    Ouço histórias de como foi a infância da minha avó ou até mesmo a de meu pai, e juro, como eu gostaria de voltar ao tempo. Os valores morais de antes não existem mais. Precisamos dar valor as pequenas coisas que nos cercam, as quais muitas vezes passam despercebidas.

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  2. A 'evolução' que o mundo está alcançando hoje em dia está fazendo com que os valores de hoje sejam fúteis e banais... até hoje lembro como foi complicado conseguir a primeira garota para beijar e hoje com 2 minutos de conversa é muito fácil chegar a 'uma base avançada' (e olha que eu não sou tão velho assim). Não entendo como conseguimos trocar os valores das coisas, em vez de valorizar estamos desvalorizando? Ou seja nossa evolução está se tornando uma involução? Diz pra mim Paim onde vamos chegar nesta droga...

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  3. Vamos chegar em um ponto em que ou a gente resgata o que tinha de bom antigamente e refaz a coisa toda, ou a gente espera degringolar de vez...

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